Série Especial: E se elas tivessem competido no Miss Mundo? Capítulo 1: 1954.
Henrique Fontes
Esta é a primeira de 6 reportagens sobre os anos em que o Brasil ficou de fora da disputa do Miss Mundo. Seguindo a lógica do envio da segunda colocada do concurso "Miss Brasil", como aconteceu até o final dos anos 1970, quem seriam as nossas representantes no concurso londrino em 1954, 1955, 1956, 1957, 1988 e 1989?
Começamos com 1954.
1954: Zaida Saldanha, ou até mesmo a lendária Marta Rocha, poderiam ter ido a Londres
É equivocado pensar que o concurso Miss Brasil 1954, que aconteceu na boite do então Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ), tenha sido o primeiro concurso nacional de beleza. Em 1922, 1929, 1930 e 1949 (este último realizado também no Quitandinha), eventos que movimentaram o país elegeram as mais belas da nação.
Olga Bergamini de Sá, eleita diante de milhares de fãs que se amontoaram e lotavam o estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, tornou-se quiçá a maior celebridade feminina do seu tempo. Sua despedida no porto do Rio de Janeiro para a disputa da versão naquele tempo existente do Miss Universo, no Texas, fez com que toda a população fosse às ruas para homenageá-la. As revistas e jornais da época acompanharam a sua jornada passo a passo, mas no final, Olga recusou-se a desfilar de maiô. Achou os norte-americanos um tanto indecentes, e o Brasil decepcionou-se ao ver a sua grande favorita voltar para casa de mãos vazias.
Indignados, os brasileiros criaram o seu próprio concurso internacional em 1930 e o país foi à forra: a gaúcha Yolanda Pereira fora eleita "Miss Brasil" e posteriormente "Miss Universo" 1930 no Copacabana Palace.
A Miss Brasil 1949, a goiana Jussara Marques, também obteve fama e reconhecimento, mas não concorreu em concursos internacionais.
O que iniciou-se na década de 1950, com a criação do Miss Mundo em 1951, e do Miss Universo em 1952, foram os concursos de beleza como forma de entretenimento global, o que ganhou impulso com o alcance cada vez maior da televisão, uma novidade que revolucionava o planeta. Ser eleita Miss Mundo na Europa, ou Miss Universo no Estados Unidos, era sinônimo de glamour e uma oportunidade única para ingressar no show business ou conseguir um bom casamento. A segunda opção era a prioridade de boa parte das candidatas daquela época.
O Miss Mundo foi o primeiro a aparecer, em 1951, em Londres. Nos seus primeiros anos, atraia mais candidatas da Europa e colônias, ex-colônias e países com relações estreitas com o Reino Unido. O Miss Universo apareceu um ano depois e, a princípio melhor organizado, tinha maior participação de países da Europa, Ásia e principalmente das Américas. Rapidamente tornou-se um "esporte favorito" em boa parte dos países da América Latina.
O Brasil ressuscitou o seu concurso de beleza em 1954, em uma iniciativa conjunta do "Diário Carioca" e das "Folhas" de São Paulo, em colaboração com a Universal-International, que produzia o Miss Universo. Aconteceu de forma discreta, na boite do Hotel Quitandinha, com a participação de representantes de apenas 5 estados e do Distrito Federal (Rio de Janeiro). A vencedora viajaria a Long Beach, Estados Unidos, para concorrer na terceira edição do Miss Universo. Eleita quase que por unanimidade, a baiana Martha Rocha estava prestes a se tornar uma lenda.
Neta de alemães por parte de mãe, filha de professores, era uma loira de beleza rara, olhos azuis impressionantes, pele bronzeada, "corpão" violão. Foi a grande favorita no concurso norte-americano, mas acabou em segundo lugar, o que despertou não somente a ira, mas também uma grande paixão pelos concursos de beleza entre os brasileiros. Graças ao sucesso estrondoso de Martha, a edição do Miss Brasil de 1955 já foi uma grande festa, com candidatas de quase todas as unidades da federação presentes e grande interesse dos brasileiros, imprensa e patrocinadores.
No entanto, o Brasil ainda tardaria 4 anos para enviar a sua primeira representante ao Miss Mundo, o que por pouco não aconteceu já em 1954. Explica-se: Eric Morley, o idealizador e responsável pela organização do Miss Mundo, viajou para Long Beach para apoiar a sua Miss Inglaterra e acompanhar de perto o concurso concorrente. Assim como o resto do mundo, encantou-se com a beleza da baiana, e quando ela não foi eleita, de imediato fez o convite para que concorresse em Londres meses mais tarde. Martha ficou de pensar, mas a verdade é que baianinha fez tanto sucesso quando voltou à casa, com dezenas de viagens marcadas pelo Brasil e o mundo, além de contratos publicitários que lhe renderam muito dinheiro, que o convite acabou esquecido.
O Miss Mundo ainda não tinha nenhum tipo de contrato ou parceria com o recém-criado concurso de Miss Brasil, o que passou a acontecer somente em 1958. Mas e se tivesse e a segunda colocada fosse a Miss Brasil Mundo? Quem seria ela?
A resposta mais próxima da realidade da época é Zaida Saldanha, Miss Estado do Rio de Janeiro e segunda colocada no Miss Brasil 1954. Zaida poderia ter sido a primeira brasileira a concorrer no Miss Mundo.
A bela morena foi alvo de controvérsia após a conclusão do concurso. Havia participado do Miss Distrito Federal (cidade do Rio de Janeiro) e perdeu para Patricia Lacerda, quem no nacional não seria sequer classificada no Top 3. Talvez tenha sido a primeira candidata "biônica" desta nova era, já que foi convidada a representar o Estado do Rio. Desbancou a Miss DF, quem não tinha travas na língua.
Patrícia Lacerda, reconhecida por sua beleza e inteligência, atribuiu a sua derrota ao fato do júri ter sido formado por modernistas, incluindo Manuel Bandeira, já que ela era neta de Coelho Neto. No entanto, era fato que o júri do Miss Distrito Federal também era composto por "modernistas" e lá ela venceu. O que ficou evidente desde aqueles tempos é que concurso de beleza é como jogo de futebol: com dois times, ou duas candidatas, se enfrentando em partidas e ocasiões diferentes, o placar pode perfeitamente ser diverso. Especialmente se estamos falando de times grandes ou belas mulheres!
E se Saldanha lançou a moda das "biônicas" (termo usado no mundo miss para designar candidata de um estado, região ou município que representa outro estado, região ou município), Lacerda foi a primeira miss a ficar com fama de má perdedora. Com a língua afiada, não poupou sequer a quase unânime Martha Rocha de suas críticas pesadas:
"(Martha) Não tem classe, não sabe usar um vestido, não sabe falar, não sabe andar, não sabia nem onde fica Long Beach, tem pernas finas e tortas, tem muito ventre e é deselegante". Patrícia descrevia como um monstrinho aquela que até hoje é a Miss mais festejada, admirada e lembrada pelos brasileiros. Agora imaginem se Zaida tivesse ganho!
Meses depois, sem a presença do Brasil, a egípcia de origem grega Antigone Costanda derrotava 17 outras belezas internacionais para ser eleita Miss Mundo 1954. Se Patricia tivesse participado levando a faixa de "Brazil", será que ela tinha ganho da representante do Egito?
Em breve: quem teria sido a Miss Brasil Mundo 1955?
Texto: Henrique Fontes
Fonte: Revista O Cruzeiro e jornais da época